quinta-feira, junho 09, 2011

Batalha, de David Soares - Resenha


Os animais não são estranhos à obra literária de David Soares; indo desde agentes interventores a símbolos da sua prosa hermética. No mais recente romance do autor, Batalha (2011, Ed. Saída de Emergência), os animais tornam-se actores de uma fábula que consegue cumprir os mais clássicos objectivos deste formato; e no entanto ainda surpreender, entretecendo as obras do autor entre si, e mais uma vez fortalecendo a relação simbiótica que tem vindo a construir com o próprio Imaginário nacional.

Partindo de uma crença popular oriunda da zona de Leiria, David Soares volta a fazer da História de Portugal a sua argamassa de artífice. No entanto, apesar de ambientado em 1402, o que poderia ser o ponto de partida narrativo foi habilmente transformado pelo autor no ponto de chegada, permitindo que o caminho que percorremos para lá chegar seja preenchido por aquilo que será indubitavelmente uma história intemporal. E é com a força que apenas as coisas simples conseguem ter que nos deixamos render à ascensão da criatura inicialmente conhecida por Caganeta.

A obra é composta por três actos: A Ratazana, A Porca e O Arquitecto. Pessoalmente, a primeira cativou-me pela simplicidade e mesmo ternura. Aliás, numa prosa ideal para quem achasse que o autor se refugia constantemente num estilo demasiado elaborado. Depois, crescentemente, David Soares leva-nos pela mão por uma explanação filosófica, e pragmática, sobre alguns conceitos essenciais, principalmente ligados à relação (humana) com o Divino; nessa viagem recuperando muito do seu estilo próprio habitual. Por fim, o encontro com Afonso Domingues é a catarse ideal para este livro, que até aqui nos conduzia pelas altas esferas de alguns sentidos abstractos, e que subitamente nos puxa os pés para o chão, com um puxão a que chamaria realista, mesmo tratando-se da realidade fantástica do universo autoral de David Soares.

Outro ponto alto deste livro é o extremo cuidado de produção colocado pela Saída de Emergência, na capa e sobrecapa, e o deslumbrante pormenor das ilustrações interiores de Daniel Silvestre da Silva; sem dúvida uma mais-valia deste volume.

Do íntimo da Fé ao aconchego da Religião, os animais de David Soares somos nós; umas vezes orgulhosamente indómitos, outras vezes absolutamente submissos. E, no final, apesar das nossas guerras interiores e dos actos que executamos, a nossa imortalidade será determinada pelo modo como, voluntária ou involuntariamente, nos transcendemos.

Em resumo, mais uma fabulosa entrada na obra, já considerável, de David Soares. E mesmo mantendo-se O Evangelho do Enforcado o meu favorito do autor, este Batalha tem momentos de puro brilhantismo, e é de aconselhar leitura obrigatória.